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Canonball - a corrida maluca

Por: Ricardo Couto

A corrida maluca - Motos antigas cruzam os Estados Unidos de costa a costa na mais longa prova de resistência daquele país

O Cannonball lembra aquelas corridas malucas dos desenhos animados. Só que em vez de carros engraçados, a disputa envolve apenas motos antigas, algumas delas bem exóticas. O que conta nessa competição não é a velocidade, mas a quilometragem acumulada, assim como a ousadia e coragem de seus pilotos. Considerada um dos raides clássicos de regularidade mais longos do mundo, a prova é um verdadeiro teste de resistência para os participantes e suas sempre bem rodadas máquinas.



Reunindo motos desgastadas pelo tempo e outras bastante raras (itens de coleção), o Cannonball tem como desafio cruzar os Estados Unidos de costa a costa. Seu nome é uma homenagem a Erwin George Baker (ver perfil a seguir), corredor do início do século passado que ficou conhecido como Cannon Ball (bala de canhão), ao estabelecer em 1914 o recorde de travessia do país de moto em 11 dias.

Esta é a terceira edição desta curiosa competição americana, que acontece a cada dois anos: o primeiro evento (2010) incluiu modelos até 1916. O segundo (2012), até 1929. O deste ano, até 1936 (inclusive). São pouquíssimas pessoas que têm o privilégio de participar dessa aventura.

A largada ocorreu em 5 de setembro em Daytona Beach, na Flórida, e a chegada aconteceu em Tacoma, no Estado de Washington, no dia 21 de setembro. Os participantes percorreram 3.938 milhas (cerca de 6.340 quilômetros), divididos em quatro categorias: para modelos até 700 cc, de 701 cc a 1.000 cc, acima de 1.000 cc e Tour (turismo, para quem faz o percurso sem se preocupar em marcar pontuação). Foram 17 dias de corrida, sendo 16 na estrada e um livre, em Junction City, no Kansas. A cada dia os competidores pegavam a estrada às 8h e só paravam para descansar às 16h.



As motos saíram da Flórida e atravessaram os Estados da Georgia, Alabama, Tennessee, Kentucky –onde cruzaram o rio Mississipi–, Missouri, Kansas, Colorado, Utah, Nevada, Idaho e receberam a bandeirada em Washington.

Ao todo, foram cumpridas 16 etapas, variando de 140 milhas (225 km) a 311 milhas (500 km) cada, conforme o trecho. O trajeto foi feito em grande parte em estradas planas e retas, com velocidade de cruzeiro de 50 milhas por hora (cerca de 80 km/h).

Este ano, o raide teve cerca de 100 inscritos, com muitos competidores trajando capacetes ou vestimentas de época.

Apesar de desafiador, o Cannonball é uma competição que mistura várias tribos e onde impera a solidariedade e a descontração. Além de passar por regiões típicas de roteiros turísticos, durante o percurso os inscritos participam de eventos de confraternização, em clima de diversão.

Durante o trajeto, os participantes visitaram cinco museus de motos, como o Coker Tire Museum, em Chattanooga, no Tennessee; Cyclemos Motorcycle Museum, em Red Boiling Spring, no Tennessee; Rocky Mountain Motorcycle Museum, em Colorado Springs, no Colorado; Legends Motorcycle Museum, em Springville, em Utah, e LeMay Museum, em Tacoma, em Washington.

Como aconteceu em 2012, a edição de 2014 contou com a participação do brasileiro Chrystiano Miranda, especialista em motos Harley-Davidson e chefe de equipe de mecânicos (veja na pág. ao lado). Ele viajou para os Estados Unidos em agosto para acompanhar a inscrição, participar dos preparativos e da vistoria das motos. “Sou o único da América Latina a participar do Cannonball. Não há outros brasileiros na prova. É uma competição 100% americana. A primeira vez em que fui era mecânico de uma equipe. Agora sou chefe de equipe”, afirma.

A cada ano, o Cannonball segue roteiro diferente, chegando a até 5 mil milhas no total. Este ano, os pilotos saíram de Daytona Beach, na Flórida, e foram até Tacoma, em Washington, próximo a Seattle. No evento de 2012, o percurso foi de Nova York até São Francisco. Em 2010, de Kitty Hawk, na Carolina do Norte, a Santa Mônica, na Califórnia.

O Cannonball é uma prova bastante seletiva, onde prevalece a originalidade das máquinas –só podem competir motos clássicas e raras. Algumas delas chegam a custar até 250 mil reais. “Para andar num percurso tão longo com um veículo desses, a moto tem que estar impecável. Uma equipe faz uma vistoria antes da corrida. Se não passar pela inspeção nem corre”, explica Miranda.

Segundo o regulamento da competição, o motor deve ser original de época. As demais partes, como chassi e suspensões, podem até ter passado por algum tipo de restauração, mas devem seguir fielmente as características de fábrica. As únicas alterações permitidas são na iluminação, ignição e freios, e outros pequenos itens, com o objetivo de melhorar a segurança dos pilotos.



Brasileiro na retaguarda

Participando pela segunda vez do Cannonball, o brasileiro Chrystiano Miranda provou o

gosto da vitória. Sua equipe, a Team Vino, pertencente a Dean Bordigioni, proprietário de uma vinícola na Califórnia, faturou o primeiro e terceiro lugares da categoria intermediária, para motos de média cilindrada. Além de Bordigioni, o time de pilotos contou com Scott Jacobs, o artista mais famoso da atualidade quando se fala de Harley-Davidson, Sharon Jacobs, esposa de Scott, e Robert “Big Sweed ”.

O Team Vino foi representado por quatro motos, todas Harley-Davidson: os modelos JS de 1923 (número 11), J de 1926 (número 93), VL 1931 (número 76) e VL 1936 (número 81).

“Nesta edição estávamos focados na corrida porque sabíamos que teríamos chance de estar entre os Top 10. O roteiro foi longo, mas bem interessante também. As motos sofreram por causa da temperatura nesta época do ano. No começo, enfrentaram muito calor e umidade. Tivemos que regular a carburação praticamente todos os dias. Após o final da prova tivemos uma das motos roubadas. Ela estava num caminhão que também foi levado, mas foi recuperada”, conta Miranda.


A equipe do brasileiro ficou com a primeira colocação na categoria II (ou B), para modelos de 701 cc a 1.000 cc, com a Harley-Davidson JS 1923 pilotada por Dean Bordigioni, motocicleta que terminou na quinta posição na classificação geral. Outra moto da equipe, uma Harley-Davidson J 1926, pilotada por Scott Jacobs, faturou o terceiro lugar na mesma categoria e foi a sétima na classificação geral.

A vencedora da categoria III (C), acima de 1.000 cc, foi a moto Henderson Z 1919 (número 5), pilotada por Jeff Tiernan.

O troféu do Cannonball 2014 ficou com a moto Indian Scout 1924, de Hans Coertse (número 35), primeira colocada na categoria I (A), até 700 cc, e também a primeira no resultado geral.

Como várias motos somaram a mesma quilometragem, o desempate foi feito com base no modelo mais antigo e no piloto mais velho. O próximo Cannonball ainda não tem percurso definido, mas já está marcado para 2016.

O SR. "Bala de canhão"

O raide Cannonball (escreve-se tudo junto, como no nome oficial) foi inspirado no feito do piloto norte-americano Erwin George Baker, que começou a sua carreira em 1904, após vencer uma corrida em pista de terra em Crawfordsville, Indiana. Seu nome entrou para a história em 1914, ao cruzar os Estados Unidos de costa a costa com uma motocicleta Indian V-Twin da época, de apenas 7 cv de potência.

Ele completou a travessia em 11 dias e 11 horas, cortando pela metade as marcas anteriores registradas por uma moto (de três semanas ou cerca de 20 dias) e por um carro (mais de duas semanas). Baker foi quatro dias mais rápido que um veículo de quatro rodas jamais havia sido.


Devido à grande repercussão desse recorde, um jornal da época estampou em manchete de primeira página que ele era mais rápido que o trem Cannonball Express (uma referência a cannon ball, ou bala de canhão, devido à sua elevada velocidade) e o nome pegou. Até hoje o histórico piloto é conhecido nos Estados Unidos como Erwin “Cannon Ball” Baker.

Relatos da época dão conta que Baker partiu para a aventura apenas com um cantil cheio de água e alguns dólares no bolso. A história diz que ele parou poucas horas para descansar e contou com o apoio e a bondade de estranhos, que lhe deram comida e abrigo ao longo do caminho.

Com essa marca, Baker não só provou a viabilidade como a resistência da motocicleta como meio de transporte, como alertou para a precariedade e a necessidade de melhoria nas estradas norte-americanas do início do século passado.

Baker, que também foi piloto oficial da Indian e de carros, iria cruzar os Estados Unidos dezenas de vezes em sua carreira, com vários tipos de motos e automóveis. Na década de 1930, conta-se, com uma moto de corrida, ele conseguiu estabelecer o recorde de três dias para o mesmo percurso –marca que permaneceria intacta até o início dos anos 1970. Ao todo, ele fez inacreditáveis 143 travessias, acumulando um total de 550 mil milhas (885 mil km) no trajeto.

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