Por: Eduardo Viotti
Predador na estrada - Boa estabilidade em curvas, com excelente pneus Michelin. Se você é daqueles que ainda acha que Harley “não anda” ou “não faz curva”, passou da hora de rever seus conceitos. Essa Road Glide Ultra passa por cima, tocando.
A Harley-Davidson ousou bastante nos últimos anos. Diante de seus conservadores e fidelíssimos consumidores, teve a coragem de lançar, em um período de três ou quatro anos um motor novo, encerrar as famílias Dyna e V-Rod, acabar com os motores Revolution e Twin Cam… E, finalmente, desafiar o longo reinado das Ultra e suas carenagens frontais Bat Wing (asa de morcego), ao lançar as Shark Nose (nariz de tubarão). O tubarão tem vantagens sobre o morcego: a carenagem não é fixa na mesa e portanto móvel, como nas Ultra Limited. É presa ao chassi e não se mexe com o movimento do guidão: menos peso “ao volante” e no garfo dianteiro, direção mais leve. Vantagem óbvia na única situação em que essas transatlânticas motocicletas são ruins: paradas… Quando você tem que empurrá-las movido “a sangre”, como dizem os espanhóis.
As Harley-Davidson Touring são mesmo grandes e muito pesadas, todas. Faz parte do espírito harleyro essa coisa meio bruta, meio raiz… Se não dá conta, compra uma Suzuki! E é pela mesma razão subjetiva que a Harley não se apressa em adotar a última frescurinha tecnológica de conforto em seus modelos, embora eles acabem sendo as coisas mais confortáveis do planeta. Não têm, por exemplo, aquecedor de manoplas, ou controle de tração…
O cruzador pesa, a seco, 408 kg. Com garupa, alguma carga, óleo, gasolina etc., chega fácil a meia tonelada. Andando, é leve e lépida como uma magrela. Parada, é um desafio… Mas, além de pernas treinadas, bons bíceps também são requeridos: o torque de poderosos 16,5 kgf.m a apenas 3.000 giros é de deixar o garupa sentado no asfalto. Ainda bem que ela tem o melhor banco instalado sobre duas rodas da Terra, e o passageiro goza de regalias como controle do som, auto-falantes exclusivos, apoio de braços, plataformas para apoio dos pés e um providencial encosto almofadado, que eventualmente é o baú para bagagens. Enorme, aliás, e faz par –ménage a trois– com os dois alforges, tudo chaveado e rígido, bem seguro. A H-D vende malas que se encaixam direitinho neles. São caras, mas se você tem munição para uma moto de mais de 105 pratas, vai querer…
E tem mais. Viajei com a patroa por uns 600 km (só de Ultra mesmo) e ela não reclamou uma só vez. Minto: gritou e beliscou quando ultrapassei um grupo de big trail por fora numa curva, perto do limite, raspando as pedaleiras e soltando fulgurantes faíscas para a plateia. Envelhescentes são como adolescentes: gostam de se exibir. São os hormônios, decerto, mudando-se de casa outra vez.
Outra coisa, é uma das poucas motos nas quais você pode viajar à noite com tanta (ou mais) iluminação da estrada quanto em um automóvel. Seus farois de LED são um facho na escuridão, parecem de locomotiva. Também são muito visíveis durante o dia, garantia de segurança.
MOTOR GRANDE
O V2 a 45 graus entre os cilindros, como manda a tradição, foi lançado, com 4 válvulas por cilindro, em 2016, com o nome de Milwaukee Eight. Milwaukee é a cidade em que a marca foi fundada e 8 é o número de válvulas do motor. Foi uma evolução e tanto, ainda mais quando apareceu com esta versão, refrigerada parcialmente (os cabeçotes) à água. A versão da moto avaliada, de 114 polegadas cúbicas (1.868 cc de cilindrada) , é a maior da série. É monstruoso. E lindo. Quem gosta de motorzinho é dentista. Dot.
Além de acelerar como uma superbike, a Road Glide tem suspensões reguláveis, facilmente, aliás, através de manípulos e procedimentos bem simples. Vá por mim: regule, faz diferença. Os freios são combinados eletronicamente, além de terem ABS, agora obrigatório por lei para as motos grandes. São de grife Brembo, apesar de portarem a marca H-D bem visível, e muito eficientes, sem travar ou fadigar.
O sistema de infotainment (palavra inventada que conjuga os sentidos de informação e entretenimento) é touch screen e é o mais legal de todas as motocicletas existentes.
E, por falar em conforto, você não sabe o que é isso em motocicletas, até andar em uma Ultra. Viajar com a esposa satisfeita, aquecida, entretida por uma bela musiquinha que ela mesmo escolheu, cartão de crédito nenhum paga…
Ainda não virei harleyro, mantenho-me fiel à minha tetracilíndrica. Mas vacilei, heim… Essas motos são maravilhosas para viajar. Andar na cidade e manobrar sem motor é um inferno, mas quem se importa, quando as crianças acenam da calçada para você? E sua mulher fica feliz ao final de uma viagem de duas horas e meia de moto, depois de 30 anos de casamento? Não tem preço… Não tem preço…
Consumo, ah, quem se importa. O máximo que consegui foi uma média de 19 km por litro. Na mão cheia, vai a 13 km/l, até menos. Não há milagres.
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