Descubra a diferença que o estudo do trabalho humano faz na pilotagem das motocicletas
Por: Eduardo Viotti
O conceito de ergonomia é pouco discutido entre motociclistas, mas é crucial não só na escolha da moto, como também no conforto e na qualidade da pilotagem –em todo tipo de utilização. A palavra ergonomia deriva do grego ergon, trabalho, e nomos, regulamentação, norma. Designa a adaptação de um ambiente, posto de trabalho e comandos ao trabalho humano. Em inglês, ergonomia é também chamada de human factor, fator humano.
O cockpit de uma motocicleta é um posto de trabalho, e dos mais intrincados. Praticamente todos os músculos do corpo são exigidos na pilotagem. E com um agravante, a moto não admite distração, relaxamento, o mínimo erro sequer.
Assim, um bom projeto de motocicleta deve servir a diferentes biótipos de motociclista, ainda que sejam necessárias regulagens como as de selim, guidão e pedaleiras.
As motocicletas mais ergonomicamente bem cuidadas são as que oferecem o maior número de regulagens,
tais como altura e afastamento do banco, altura das pedaleiras, distância de manetes de embreagem e freio dianteiro, altura e profundidade do guidão, altura dos pedais de câmbio e de freio traseiro etc. Mesmo nos modelos que oferecem essas possibilidades, são poucos os motociclistas que se preocupam em ajustá-las. É uma lástima, pois a experiência de pilotagem pode mudar bastante, especialmente em longas permanências sobre a moto, em viagens ou no trânsito.
As considerações mais óbvias na escolha de uma moto são a altura (do piloto e do banco da moto) e o peso. Vale enormemente a pena escolher uma moto adequada a seu biótipo.
Há alguns anos, só havia motos do estilo que hoje é chamado street, de passeio, naked. Hoje há dezenas de variações, cada uma voltada a uma aplicação específica. As primeiras modificações que apareceram foram as motos adaptadas para a prática de atividades fora de estrada, as scramblers, trail e motocrossers, dotadas de rodas de maior diâmetro na dianteira para melhor superar obstáculos. É claro que montar suspensões de longo curso em uma moto a afasta do chão, elevando sua altura, o que as rodas de maior diâmetro acentuam. Assim, motos on-off road, com longo curso nas suspensões e rodas maiores, são sempre mais altas.
Em seguida, com o crescimento das competições de velocidade em autódromos e estradas, surgiram as carenagens, para melhor vencer a resistência do ar em altas velocidades. Nas superesportivas, com o peso deslocado à frente e a coluna vertebral em ângulo fechado na direção do farol, as pernas ficam recolhidas e bem fechadas, com as pedaleiras muito recuadas: a postura é a mais aerodinâmica possível.
Nessa posição, a coluna não é muito pressionada verticalmente, pois o peso do tronco é dividido com os punhos. Também a pressão do vento no peito é menor, diminuindo a carga nos braços, outro ponto positivo. A posição é a melhor para fazer curvas em alta, mas exige preparo físico. Acabam por aí as vantagens ergonômicas das superesportivas. Em geral, nas speed, o ângulo das pernas é fechado, o esforço do pescoço para reter o movimento de bater o queixo é intenso e o peso sobre os punhos, apoiados nas bengalas dianteiras, é dolorido. Muitas horas podem até resultar em dor.
A postura das custom radicais também é problemática sob o ponto de vista ergonômico. A ideia de viajar com os pés à frente, apoiados em plataformas que impõem uma inclinação fixa a eles, com todo o peso do corpo sobre os glúteos –sem possibilidade de dividir a carga com as pernas–, parece assustadora. Algumas custom ainda elevam os cotovelos e punhos para o alto: as mais radicais chegam a causar formigamento nas mãos. Além disso, a força do vento sobre o peito é intensa em alta velocidade. A coluna vai ereta, o que parece positivo, mas ela recebe muitos impactos secos, transmitidos por suspensões de curso mínimo.
Há exceções, mas em geral as custom têm o painel sobre o tanque. Com capacete fechado, é um esforço checar a velocidade antes de cada radar fixo, por exemplo. É preciso abaixar o queixo até tocar o peito para ver o velocímetro.
As bigtrail têm sido citadas como exemplos de boa ergonomia e conforto. Possuem boa postura, é verdade, e realmente permitem uma postura ereta, dividindo o esforço com as pernas, que, por sua vez, se acomodam num ângulo natural de repouso. Os guidões também permitem a postura relaxada dos braços: nem muito baixos, nem muito altos. A suspensão, geralmente mais macia e de longo curso, também acaba sendo mais generosa com a coluna ao absorver a maior parte dos baques e solavancos. Ocorre que os discos da coluna cervical fi cam muito comprimidos para aguentar pancadas em um ângulo bastante vertical e algum incômodo, mesmo que a longo prazo, pode surgir.
As street têm uma posição intermediária muito favorável também. As grandes touring de longo curso têm projeto bem cuidado de ergonomia, mas são muito exclusivas.
Os scooters têm, em geral, excelentes bancos e favorecem a posição sentada –e não montada. Mas também têm graves problemas ergonômicos, apesar da facilidade em serem abordados, pois não é preciso passar o pé sobre a traseira da moto. O principal deles é que, sentado, o piloto recebe impactos secos na coluna, agravados por suspensões invariavelmente de pequeno curso. Chega a ser bastante desgastante para maiores permanências. Outro problema é que alguns modelos não permitem variação na posição dos pés (geralmente os de assoalho plano) e isso, em longas viagens, pode ser bastante cansativo.
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